Análise dos resíduos de atividade na radiosinoviortese com HA-Sm153

MB Torres Berdeguez1, S Thomas2, M Albernaz2, AL Lima Kubo2, Xavier Da Silva A1.1 - Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia/Universidade Federal de Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ). Rio de Janeiro, Brasil..2 - Hospital Universitário Clementino Fraga Filho//Universidade Federal de Rio de Janeiro (HUCFF/UFRJ). Rio de Janeiro, Brasil..

Resumo

Na administração de radionuclídeos para propósitos terapêuticos, a diferença entre a atividade do radiofármaco prescrita pelo médico e aquela de fato injetada, pode acarretar aumento dos custos do tratamento e diminuir sua efetividade. O objetivo deste trabalho foi realizar a análise dos resíduos dos radiofármacos nos dispositivos de aplicação (seringa, agulha e three-way) utilizados no tratamento de radiosinoviorteses em pacientes com hemofilia, no Serviço de Medicina Nuclear do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF/ UFRJ). No trabalho foram analisadas amostras de 22 pacientes com diagnóstico clínico de sinovite, com a média de idade de 17 anos. Os resultados obtidos neste trabalho colocaram em evidência a necessidade de controlar esses resíduos para evitar o risco de subdose ao patiente.

Palavra-chave: radiosinoviorteses, hemofilia, resíduos, radiofármacos, sinovite, HA-Sm153.

Abstract

In the radionuclide administration for therapeutic purposes, the difference between activity of the radiopharmaceutical prescribed by clinician and that, in fact injected, can increase treatment costs and decrease its effectiveness. The aim of this work was to perform an analysis of the radiopharmaceutical wastes in application devices (syringe, needle, and three-way) used in radiosynoviorthesis treatment in patients with hemophilia, in the Nuclear Medicine Service, Clementino Fraga Filho University Hospital / Federal University of Rio de Janeiro (HUCFF / UFRJ). In this work, 22 samples taken from patients with clinical diagnostic of synovitis, with average age 17 years were analyzed. The results highlight the need to control radioactive waste in order to prevent sub-dose to patient.

Key words: radiosynoviorthesis, hemophilia, wastes, radiopharmaceuticals, synovitis, HA-Sm153.

Introdução

Na administração de radionuclídeos para propósitos terapêuticos, as diferenças entre a atividade do radiofármaco prescrita pelo médico e aquela de fato injetada, podem acarretar aumento dos custos do tratamento e diminuir sua efetividade. Essas discrepâncias ocorrem por diversos fatores. Dentre eles, destacam-se as múltiplas manipulações do radiofármaco, o tempo de fracionamento e aplicação, além da variação da atividade associada com o sistema de medição (calibrador de dose)(1).

A radiosinoviortese (RSV) consiste na injeção de um radiofármaco (RF) dentro da cavidade articular, de modo que entre em contato com a membrana sinovial. As células fagocíticas presentes na superfície sinovial rapidamente absorvem parte da radioatividade injetada na cavidade. Durante o decaimento radioativo do radionuclídeo, é liberada uma dose terapêutica no tecido sinovial, o qual será destruído(2)(3).

O método foi inicialmente introduzido para o tratamento da artrite reumatoide (AR) na década de 1960(4). A RSV é utilizada na AR, quando ocorre falha do tratamento clínico. Na hemofilia, a RSV é indicada para pacientes com hemartroses recorrentes, não controladas com a administração de fatores de coagulação(5).Diferentes autores relataram a efetividade na RSV, medida principalmente pela redução do número de hermartrose de 56-87 %(5) e 61,2-67,6 %(6), motivo pela qual é considerada por muitos autores a melhor alternativa(7)(8).

O objetivo deste trabalho foi realizar a análise dos resíduos dos RF nos dispositivos de aplicação utilizados na RSV em pacientes com hemofilia, no Serviço de Medicina Nuclear do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF/ UFRJ).

Métodos

Foram analisadas amostras de 22 pacientes, com a média de idade de 17 anos. Os critérios de inclusão para RSV foram a presenca de ≥ 3 hemartroses na mesma articulação no período de 6 meses e o diagnóstico clínico de sinovite(5), este último avaliado mediante o exame clínico por palpação e imagens de ressonância magnética (RM) e/ou ultrassom (US) trazidos pelos pacientes. O radiocoloide utilizado foi a hidroxiapatita marcada com Sm-153 (HA-Sm153), adquirido do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), São Paulo, Brasil(9).

Os pacientes foram encaminhados dos Centros de Referência em Hemofilia (Hemocentros) de 20 estados brasileiros. Todos os pacientes foram avaliados por uma equipe multidisciplinar que inclui hematologista, ortopedista, radiologista, médico nuclear e físico médico. Imediatamente antes da RSV, foi administrado o fator de coagulação, conforme o tipo de coagulopatia(5)(10).

A atividade do RF foi medida no calibrador de dose CANPINTEC-INC, modelo CRC-25R, localizado no Laboratório de Radiofarmacia. Uma vez conferida a atividade do frasco, procedeu-se ao fracionamento da dose, de acordo com a prescrição. Foram adicionados 2 mCi além da atividade prescrita pelo médico, para compensar as perdas observadas na rotina. A seringa com a dosagem fracionada foi medida no calibrador de dose e, uma vez registrada, a dose foi transportada até a sala de procedimentos, usando-se um suporte de seringas blindado.

A injeção do RF foi realizada em condições estéreis. Antes de puncionar a articulação, a pele foi limpa com álcool e clorexidine gluconato tópico. Após anestesia local da pele com lidocaína a 4 % em creme (Dermomax®, Aché, São Paulo, Brasil), foram anestesiados com lidocaína a 2% sem vasoconstritor os planos anatômicos (da pele até o espaço articular), utilizando uma agulha calibre 23G e seringa de 3 ml. Foram utilizadas agulhas de calibre 20G nos joelhos de maior volume(10),(11).

O líquido sinovial ou sangue, quando presente, foi extraído e, sem remover a agulha da articulação, foi adaptado o three-way. Numa das vias do three-way foi administrado o corticoide (triamcinolona hexacetonida) e na outra, a HA-Sm153, após homogeneização. Ao retirar-se as seringas, juntamente com o three-way, foi pressionado o local de injeção durante aproximadamente um minuto(10),(11).

A gaze estéril utilizada no local de pressão foi monitorada com o contador Geiger Müller e substituída, até que a contagem medida chegasse ao valor de fundo. Posteriormente, foi mobilizada a articulação até sua máxima amplitude de movimento, com o objetivo de dispersar uniformemente o material radiativo dentro da cavidade articular. A articulação tratada foi imobilizada com atadura elástica durante 48 horas(10),(11).

Os pacientes foram transportados em cadeiras de rodas até o local de espera para realizar a cintilografía na SPECT Millennium MG, fabricante General Electric (GE). As medições na SPECT foram realizadas na articulação tratada e no corpo inteiro em dois momentos. No primeiro momento imediatamente após a RSV (instantânea) e duas horas após a primeira imagem(10),(11). O material contaminado, seringas, three-way e agulhas foram colocados em protetores plásticos e medidos no calibrador de dose CANPINTEC-INC, modelo CRC-25R.

As análises dos dados estatísticos foram realizadas usando o programa Statgraphics 6(12). Foram determinados os valores médios das atividades prescritas (A,sub>p), preparadas (Apr) e injetadas (Ainj) nas articulações tratadas. Os valores dos resíduos, como a diferença entre a Ainj e Ap (ResíduosAp) e Ainj e Apr (ResíduosApr), foram avaliados para cada articulação. As diferenças estatísticas foram consideradas para um nível de confiança de 95 % e valor de P ≤ 0,05.

Resultados

Um total de 22 pacientes com idade média de 17 anos (idade 6-33 anos) com 33 articulações tratadas foi considerado neste estudo. Das 33 articulações tratadas, 8 corresponderam a joelho direito (JD), 3 a joelho esquerdo (JE), 7 a tornozelo direito (TD), 4 a tornozelo esquerdo (TE), 6 a cotovelo direito (CD) e 5 a cotovelo esquerdo (CE). De 22 pacientes, 63,4 % receberam RSV pela primeira vez e 18,2 % haviam realizado uma ou duas RSV anteriormente.

Os resultados obtidos dos valores médios de Ap, Apr e Ainj por articulação tratada com HA-Sm153 são mostrados na tabela 1. Os resultados das diferenças entre Ainj e Ap (ResíduosAp) e Ainj eApr (ResíduosApr) são mostrados na seguinte tabela 2.

Tabela 1. Valores de Ap, Apr e Ainj por articulação tratada com HA-Sm153.

Articulação Ap(mCi) Apr(mCi) Ainj(mCi)
JD 17,1 (7-35) 17 (7,6-34,9) 15 (6,3-24,2)
JE 17 (6-35) 19,3 (9,8-36,1) 17 (8,8-32-3)
TD 9,4 (3-15) 12 (5,8-19) 10 (2,8-17,2)
TE 7,5 (3-15) 9 (5-16,7) 7,7 (3,6-15)
CD 9 (5-15) 11 (5,8-16,8) 9 (4,8-15,9)
CE 8 (3-15) 9,4 (5,2-17) 7 (3,2-15,8)
Total 11,4 (3-35) 13 (5-36,1) 11 (3-32,3)

Tabela 2. Resultados das diferenças entre as amostras ResíduosAp e ResíduosApr.

Teste ResiduosAp ResiduosApr
Mediana 0 -1,62
Valor de P
Teste Wicolxon 2,24*10-5
t-test 2,0*10-2

Discussão

Os resultados da RSV na hemofilia reportados por Thomas(5), mostram uma efetividade na redução do número de hematroses de 56-87%. Rodriguez-Mercham(6) reporta uma efetividade de 61,2-67,6 %. Dentre as principais vantagens do procedimento destaca-se a possibilidade de se aplicar, se indicada, em várias articulações simultaneamente. Além disso, na articulação em que não seja obtido o resultado esperado, pode-se repetir até três vezes em um prazo de seis meses(11). Dos 22 pacientes analisados, sete receberam RSV em duas articulações e um, em três articulações. Nesses oito casos, a RSV foi feita nessas articulações pela primeira vez.

Apesar dos esforços realizados no sentido de otimizar as doses na RSV(13),(14), atualmente este tratamento baseia-se na administração de doses e radionuclídeos fixos para cada articulação(15),(16),(17). Nos estudos feitos com Y90, em geral prescreve-se atividades de: 5 mCi para articulações grandes, como joelhos; 3 mCi, para tornozelos e cotovelos e 4 mCi para ombros(15),(16),(17).

A fundamentação do uso corrente da atividade de 5 mCi de Y90, foi calculada com base na liberação de uma dose absorvida de 100 Gy por 100 g de tecido sinovial(15),(18). Esta dose também serviu de base para o cálculo da atividade quando se administra outros radionuclídeos. A partir das publicações sobre o uso de 5 mCi de HA- Sm153 para tratar joelhos, mostrando a baixa efetividade com essa dose(19), Thomas e cols. iniciaram o uso desse RF com doses maiores. Assim, as doses para joelhos variaram de 10-35 mCi, enquanto para tornozelos e cotovelos variaram de 5-10 mCi(20). Em crianças, esses autores utilizaram cerca de metade das doses.

Na tabela 1, mostra-se que a média da Ap para joelhos foi de 17 mCi (6-35), tornozelos e cotovelos foram de 8,4 mCi (3-15) e 8,5 mCi (3-15), respectivamente. Na tabela 2, pode-se observar que não existem diferenças significativas entre Ap e Ainj (mediana 0). A análise comparativa entre os Resíduos Ap e Resíduos Apr mostrou que existem diferenças significativas entre as Ainj e Apr (valor de P≤0,05). Estas diferenças exemplificam a tentativa da equipe de preparar aproximadamente 2 mCi a mais da Ap (média de Apr de 13 mCi). Entretanto esta opção, embora efetiva, deve ser vista como uma medida paliativa para o problema das discrepâncias entre as atividades.

A avaliação minuciosa de todos os componentes usados no tratamento (seringa, agulha e three-way) e a análise das caracteristicas dos materiais usados no procedimento, incluídos os fabricantes, principalmente da seringa e do three-way, são fatores que podem ter um impacto direto nos resultados.

Conclusões

O registro dos resíduos de atividade dos componentes utilizados nos procedimentos é uma prática já regulamentada na Medicina Nuclear, tanto na área de dignóstico como na terapêutica(21).Os resultados obtidos neste trabalho colocaram em evidência a necessidade de controlar esses resíduos para evitar os riscos de subdose ao paciente.

A preparação de 2 mCi a mais de HA-Sm153, em relação à Ap pelo médico evitou a possibilidade de subdose ao paciente. Entretanto, os custos adicionais do tratamento podem ter aumentado com essa medida. A dosimetria pós-terapêutica, considerando a atividade injetada, associada ao seguimento clínico do paciente, permitirá avaliar a relação dose-resposta apropriada e sua efetividade.

Além disso, a aplicação de uma metodologia de planejamento individual das doses ao paciente num futuro próximo, fará com que esta modalidade de tratamento da Medicina Nuclear terapêutica ganhe maior aceitação(3).

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